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Justiça reconhece vínculo afetivo com pet e garante convivência após separação no sertão de PE

Uma decisão judicial no sertão de Pernambuco reconheceu o vínculo socioafetivo entre uma tutora e os animais de estimação criados em conjunto durante o relacionamento com a ex-companheira. O caso trata da dissolução de uma união estável entre duas mulheres que conviveram durante quase sete anos com cinco animais de estimação – dois gatos e três cães.
A advogada Emília Juliana Santos da Silva, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, que atuou no processo, lembra que dois dos cães já pertenciam individualmente a cada uma das partes antes do relacionamento. Após oito meses de união, o casal oficializou a relação e adotou os outros animais em conjunto.
Em janeiro deste ano, após o término da relação, uma das tutoras deixou o lar levando apenas a cadela que já era sua anteriormente, pois a ex-companheira teria impedido qualquer forma de convívio com os outros pets.
Segundo a advogada, as tentativas extrajudiciais de restabelecer o contato com os pets foram infrutíferas. Neste contexto, o Judiciário pernambucano foi acionado, com pedido de tutela de urgência para regulamentação da convivência familiar e guarda a partir do reconhecimento de vínculo socioafetivo entre a autora e o pet que era da ex-companheira antes do início do relacionamento.
Ainda segundo a advogada, após a separação, a cadela de 15 anos de idade passou a sofrer de quadros graves de depressão, com constantes internações veterinárias, em virtude da ausência de convivência com os irmãos caninos e felinos com os quais estava habituada há 7 anos, o que ensejou a concessão da tutela de urgência no restabelecimento da convivência familiar.
A decisão também considerou que todas as despesas e cuidados com os animais eram suportados exclusivamente pela autora na constância da união, e que o outro cão e os felinos haviam sido adotados por ambas as tutoras já na constância do casamento.
Família multiespécie
Emília da Silva afirma que o Direito das Famílias está em constante transformação, acompanhando as mudanças sociais e culturais que redefinem os modelos tradicionais de convivência.
Uma dessas transformações, segundo ela, refere-se à inclusão de animais de estimação como membros das famílias multiespécies, “reconhecendo o papel significativo que desempenham nas relações afetivas”.
“A concessão de guarda e convivência familiar com pets, como visto em casos judiciais recentes, marca um passo essencial nessa evolução jurídica. A inclusão de animais no âmbito do Direito das Famílias reflete uma mudança no entendimento jurídico acerca dos pets, que deixam de ser tratados apenas como propriedade. O reconhecimento desses animais como sujeitos de direitos demonstra que eles são detentores de amor, cuidado e vínculo afetivo”, pondera.
Para a advogada, essa perspectiva valoriza o impacto emocional e psicológico que os animais de estimação exercem sobre os humanos, considerando-os parte imprescindível do núcleo familiar. “A concessão de guarda e convivência com pets é especialmente inovadora em regiões onde predomina uma visão conservadora sobre famílias.”
“Decisões como essas não apenas reconhecem os novos arranjos familiares, mas também criam precedentes que podem inspirar mudanças legislativas e judiciais em direção a uma maior proteção dos animais no contexto familiar. Além disso, fortalecem o conceito de família multiespécie no Direito, promovendo igualdade e inclusão”, observa.
Avanço
Emília acrescenta que o fato de a decisão ter sido proferida no sertão de Pernambuco, “onde a cultura das famílias multiespécies é fortemente rechaçada em detrimento do modelo tradicional de família e conservadora da região, demonstra o avanço do Judiciário em perceber os novos modelos familiares, reconhecendo, ainda, os animais não humanos como sujeitos de direitos e detentores do amor e cuidado humano”.
“A concessão de guarda e convivência familiar com animais de estimação representa um avanço crucial para o Direito das Famílias. Ao reconhecer os vínculos socioafetivos entre humanos e pets, o Judiciário não só protege os direitos dos animais como também reflete a realidade de muitas famílias modernas. Esses casos estabelecem precedentes que reforçam a importância de tratar os animais como membros integrais da família, promovendo o respeito, o cuidado e a inclusão no âmbito jurídico”, frisa.
De acordo com a advogada, também foi estabelecido multa diária e regras claras para convivência dos animais, com intuito de amenizar o sofrimento de ambos causado pela separação abrupta. “Deste modo, a decisão garantiu o bem-estar dos animais acima dos interesses pessoais das tutoras envolvidas em claro reconhecimento do Direito Animal”, conclui.
Por Débora Anunciação
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